Quando era mais pequena, apelidavam-me de bicho do buraco.
Não falava com quase ninguém, não comunicava com outras crianças e só me sentia bem quando estava entre familiares ou então, sozinha.
Era muito tímida, envergonhada. Vivia no mundo imaginário das princesas e dos afectos. Na minha cabeça tudo devia ser cor-de-rosa e a palavra partilha era tão importante quanto o respirar.
Não me conseguia encaixar em lado nenhum. As crianças gozam com os outros, tiram-lhes os brinquedos e até batem só por desporto. Nunca compreendi isso e não sei alguma vez virei a compreender....
Fui para a escola primária e comecei a fazer as primeiras amizades.
Foi aí que conheci a I. a minha melhor amiga até ao ciclo, altura em que ela conheceu a S. que por todas as características e mais uma se tornou a melhor amiga da I. E eu, lá fiquei num canto, cheia de minhoquices e complexos sem perceber o porquê de já não encaixar nos parâmetros de melhor amiga, ou sequer de amiga próxima...
O ciclo acabou e o secundário chegou. Com ele uma nova escola, onde já não se jogava ao elástico e fumava-se em todo o lado. Um choque tremendo... eu só queria era brincar!
Não queria estar lá e frequentemente chegava a casa a chorar (por dentro) porque queria voltar à velha escola.
Lá andei uns anos ao dEUS dará. Conheci a M. e as outras 3 amigas, mas a M é que era! Uma maluca, sem complexos, com bastante sucesso entre os rapazes lá da escola, e com uma história de vida muito desenvolvida para a idade. Enfim: tinha muito a aprender com ela, sabia que iria crescer. Mas não deu para encaixarmos juntas por muito tempo...
Voltei a mudar de turma. Era a turma B. Só conhecia uma pessoa, o G. Um géniozinho por natureza que pacientemente me explicava aquelas contas todas confusas que tinha de aprender na perfeição para acompanhar o nível de produtividade do resto da turma.
A versão feminina de génio tornou-se também uma amiga especial. Tão especial que fazia parte da minha vida rotineira. Era divertida e muito atinada. Iamos prós copos, tinhamos private jokes e falavamos dos problemas da altura com afinco, durante horas sem fim.
Era muito bom!
Mas a universidade veio e os nossos caminhos separaram-se irremediavelmente para sempre. Eu só vinha aos fins de semana, ela tinha os novos colegas de faculdade que, nunca cheguei a conhecer.
Entretanto veio a M, a I, a C. Entre namorados e emigrações, lá foram todas desaparecendo dum momento para o outro.
Virei-me pros rapazes pois estava farta de não conseguir preencher requisitos de personagem fundamental na vida das minhas "amigas".
Pior emenda que o soneto.... Veio o M, o G e até o A. que curiosamente desapareciam assim que arranjavam uma dama fixa.
E esta madame que sempre foi solterissima (não por vontade) voltava a assombrar-se com as minhoquices do "porquê?" e a arranjar mil e uma coisas diferentes para fazer e assim ocupar o tempo e os pensamentos que estavam destinados aos "amigos"
Porquê é que não consigo cativar? Porque é que não consigo manter?
Como é possivel passar de bestial a besta num ápice? - são questões que sempre me atormentaram.
Nunca tiveram a coragem de dizer e eu nunca tive a inteligência de perceber....
Veio a Y, uma lufada de ar fresco. Parecia tão parecida. Emocionava-se quando eu dizia: "não dou mais do que aquilo que recebo"..... E eu, feita estupida sentia-me contente por imaginar que havia ali alguém para ficar. Talvez pensasse como eu, talvez se entregasse de alma e coração às amizades, do mesmo modo que se entregaria ao amor.... Mas a inteligência nunca foi o meu forte, e o macho que lhe conquistou o coração, também ficou com a parte que era minha....
Nunca mais lhe pus as vistas em cima...
Finalmente, havia quem se safasse e me fizesse acreditar em algo mais profundo: a A. Conheci durante anos, numa convivência fora de série. Pessoa fechada e conflituosa, não tinha muitos amigos... também, não se dava a ninguém que não fosse o home dela. Mas eu sabia que valia a pena e queria mostra-la aos outros. Sabia que todos teriam muito a ganhar... A A. ganhou um terreno incrivel! Ao fim de 6 meses já toda a gente a adorava. Já era a raínha do gang, do dia e da noite, dos homens e das mulheres....
Tudo estava bem. Eu era importante na vida dela, ela importante nas vidas dos meus pedaços, todos se davam bem e eu achava que era a melhor amiga da vida de alguém... Estava em paz.
"o maior cego é aquele que não quer ver", já diz o ditado, e eu sempre fui cegueta.
A A. começa a entrar em paranoias, e tento chegar perto. Falo, ela rosna. Faço festas, ela repele a minha mão com nojo, digo-lhe o quanto ela é importante e ela responde-me que sente falta daquela que a deixou por causa dum gajo....
Diz que não acredita no amor e muito menos na amizade.
O meu coração parte-se em mil, apercebo-me do meu papel de recurso na vida dela e a minha alma evapora-se para todo o sempre.
Afinal de contas por mais que me esforce e que dê o que tenho e o que não tenho, nunca serei indispensável, nunca serei importante, nunca serei a numero 1 na vida de ninguém. Apenas recurso.
Dor maior não me pode acompanhar, pois sempre vivi para as amizades.
De qualquer modo, a vida boa é dos fortes e não me deixarei entrar pelos clichés de "eu não acredito na amizade", pois tenho a certeza que toda esta gente que agora falei, levou com o meu amor total com todas as forças e saberes que conhecia e conheço. Continuo a acreditar na amizade até morrer. Porque sei que todos eles levaram doses grandes de surpresas boas, convites para tudo e mais alguma coisa, partilhas, a minha entrega total, ataques de mimo bons e hiperactividade provocada pela alegria sentida por os ter de perto. Pelo menos a minha amizade, todos tiveram!
Uma das frases da minha vida é: "tens de dar primeiro, aquilo que queres receber depois" Mesmo sabendo que a segunda parte da frase é quase impossivel de ocorrer, não deixo de cumprir com o princípio.
E já que tenho a fama dos julgamentos tiro também o proveito:
Secos e ocos são aqueles que não acreditam na amizade e no amor!
amor, amor, amor